terça-feira, 27 de setembro de 2016

"ame-o e deixe-o ser o que quiser"

Sabor é uma palavra que não sabe de si.
Em cada gota dessa palavra tem um pouco de saliva. 
Digo, em cada gota de saliva, tem um pouco de sabor.
E conjugá-la é: saborear. Sabor e ar.
Em cada gota do saborear contém respiro.
Piro no sabor inflado de ar, pois, sabor sem espaço
é vácuo, é asma, é apneia, é inópia. 
Dê espaço para a língua pingar dentro e fora da boca.
Deixe o tempo se expandir no salivar. 
Sinta o sabor sem saber. Descubrá-o,
mas deixe-o ser.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

passando o tempo

Vaga-lumes acesos para não fechar os olhos.
Dias tontos oroborizando as horas.
Noites em claras de esquecimento e reapresentações.
Céu engarrafado de estrelas na porta de entrada e eu
morrendo de rir do choro que não vai descer.
Fica aí parada que o sol está brilhando nos seus olhos
por onde estou vendo os meus.
Nem sei mais...
Esse tanto de gente meio enterradas,
meio zumbis lobotomizados, cegos e desapropriados.
Feio o olhar abandonado. Eu acho.
Mas eu fui morar tão longe aos domingos que
não há busca que me encontre
nos fundos dos rios, ou no meu próprio mar.
Lá na sua praia. Lar no seu verão.
Por aqui as coisas só se misturam numa insistência
em parecer tudo a mesma coisa como na vida real
onde trabalhar é vida, cozinhar é vida, ir ao médico
é vida, amar é vida, morrer é vida...
e viver é só passar o tempo.

insinua

incenso da índia,
memórias de sua vida invadindo minhas narinas.
Bucetas de Frida Kalo, santos quebrados,
espíritos santos que saltam paredes e olhos.
O seu gosto de cigarros outros devastando
o que não seja saliva em ebulição.
Sangue seu em minhas pontas
de línguas e dedos.
Desejo tátil, sensorial, imagético, saudoso...
Aaaaa, seu gozo!
Seu gozo, seu som, seu jeito de ser volátil, voluptuosa, lúbrica...
Que incentiva e em si nua o instigante deslizar macio
até o eu de mim derramar.

saborosa

Eu sinto seu gosto em minha boca nesse momento. 
Você estando longe me pergunto:
será seu o gosto que tenho na boca, ou
será que minha boca tem um pouco do seu gosto?
Memórias de uma noite quase não dormida,
enroscando-me em você.
Memórias da pele, do cheiro.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Notas de afogamento 2, ou O barquinho

O seu azul
é o azul do mar
que é o azul do céu
o seu azul reflexo
oceano límbico
onde me afoguei
ao te encarar.

Notas de afogamento / esquecimento

É noite apesar do azul.
É noite apesar do esperar.
Porque se esperam nos dias.
Mas no azul também se esperam nas noites.
Então só, na beira do precipitar-me, mergulhei.
Destranquei as portas e mergulhei no azul da noite fria em busca de aquecer-me.
Lá, no breu do não azul, deparei-me com o silêncio do esquecimento.
De fora, quem assiste, vê-me em quietude profunda.
Mal sabem eles a que velocidade circula meu sangue anunciando meu afogamento.
No azul que não se abriu no céu desta noite.