quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A vida
é só ida
Não tem volta

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Disfarce



O coiso escondido na moita. O coiso que mata. O coiso que açoita. O coiso que tá nele. O coiso que tá nela. Tá até ne mim. Ô coiso desgraçado. Se disfarça de brincadeira, se disfarça de amor. Arregaça qualquer alegria. Destrói felicidade de quem for. Um coiso que fica assim rimando que é pra você ficar repetindo. Repetindo quinem como é mesmo. Que acontece toda hora. Quando cê sai na rua, ó o coiso espreitando lá fora! Vade retro, satanás! Mostra essa sua cara pintada de demônio aí pra ver se não gargalho dela! Só é esse o remédio: ridicularizar o ridículo. Que aí ele vê que não amedronta e perde o chão. Ó seu coisinho, tenho mais o que fazer!

sábado, 24 de outubro de 2015

Tribunal



É coisa de sangue, suor, sabe? De gozo também. Coisa de expelir, por pra fora, explodir. Fico tentando escrever, explicar. Mas tá tudo guardado. Sei que tá guardado. Basta uma agulha no ponto certo que começam a lacrimejar os poros. E feito criança mijada no meio da sala de aula, pouco me abusa o contato com minha própria secreção. Pouco me vale se vem de dentro, se vai pra fora. Só não quero que sintam o odor de minhas entranhas. Ah, isso não. Não quero porque é o mesmo que sair pelada na rua. E se acontecer deu sair pelada na rua, certamente serei julgada. Não, não quero ser julgada pelo que sou. Prefiro que julguem o que eu aparento ser.

porno lou cura

se eu soubesse o caminho de volta... ah sim, seria maravilhoso!... o problema é que essa insanidade quer transar comigo a qualquer hora. masturba minha visão, mete em minha boca, chupa meus ouvidos... então escorro num grito não sei se de orgasmo ou de loucura.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

pedido de casamento

case-se comigo mas não destrua nada que modifique a rotina de meu coração. não me deixe por vez sentir falta de mim mesma. preciso proporcionalmente de momentos vividos só. pois tenho vozes que não se calam e se repetem. é preciso dar ouvidos ao meu silêncio.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

olhos cansados


Tantas viagens, tontos pousos, tantras vontades, poucos destinos. Os pés, descalços talvez, com calos nos calcâneos. Dolorosas novas formas. Deformações. Novas informações. Viajar sem saber com o que vamos encontrar. É assim com todo mundo nessa nave. Questiono-me como será além do infinitamente concreto. Além cidade. Além mar. Além do que os olhos cansados já reconhecem. Além do que os desejos já suspeitam. Além do que eu posso imaginar sobre o que nunca vi nessa vida ou noutras. Em cada parar – que é o mesmo que em cada seguir –, os encontros e os lugares se dão de formas particulares, lógico. As casas e os costumes são diferentes e dispostos de maneiras diversas. Mas assim que lanço meu olhar sobre cada indivíduo, me parto e me fundo entre os tempos. Logo distingo quem é quem. Em seu espaço. Em seu tempo. Em mim. Então confirmo a hipótese de que dentro de cada olho existe exatamente o lugar que queremos enxergar.

domingo, 11 de outubro de 2015

só.



Não vou mais abanar nenhuma palavra dessa casa. Culposas, congelam o tempo. São bocados de algo que insistente se desfaz.  Perecível, fausto sepultado, despetalado e desarmônico.
Não faz sentido provar da loucura para vibrar entre os sãos. Serei indigente de mim mesma. Ou serei como Clarisse: inigualável modelo de todos os esplendores e que não deixa de suscitar suspiros a cada giro de estrelas.
Mas as estrelas, essas andam em bando. As poucas que se descobrem só decaem pelo espaço, viram restos de mar.
Me admira mais a lua, que feito um espelho, é egoísta, poucos compreendem suas horas enquanto ela jorra de prazer. Seu prazer é observar de longe as loucas, lobas, uivantes. Ela se satisfaz sozinha.   
E só, ela se compreende, se faz clara. É claro que a loucura é o que há de mais lúcido. Cristalino pensamento. É por isso que se cobre tanto tudo. Roupas, panos, pelos. Extravasar, sair de si, tudo proibido. É arriscado não mais voltar.
O cheiro e a respiração são sobras, fragmentos de uma morta. Deteriorada por hospedar a mim mesma. Me resta meu nome e alguns músculos mais resistentes. O mais fraco arranquei e agora uso feito um pingente frente ao plexo. Ele cheira mal e às vezes pulsa como se tivesse sobrevivido. Só lembranças. Sou toda morte. Sou toda morte e recomeço.
A ordem de sucessão às vezes se perde e tudo se torna uma crença inválida sem comprovações. Posso ter primeiro morrido depois ficado só. Posso ter enlouquecido e depois morrido. Posso ter me despedaçado e depois ter sido egoísta. Pouco importa se agora é hora de colocar as coisas nos seus lugares. Não influi se uma no lugar da outra. É só meu. E em seus devidos lugares tudo se torna obsoleto.
O que a essa altura é uma melancólica obsessão, saudoso desejo de mim, me preenche. Generosa, deixo ir, me expando.

de si lencio



Nossa própria companhia é algo que mora muito além do breve e que vai se apresentando à medida que nos aproximamos dela.
A companhia que oferecemos para o outro é uma; é outra para quem recebe e fica com ela; uma é a companhia que se oferece pela primeira vez, outra é a que se desiste de doar para sempre; e todas elas nada alcançam da companhia que podemos nos oferecer.
Por mais longe que a atribulada função de doador de companhia nos leve, tutelamos de modo interno vontade silenciosa do encontro com nós mesmos.
Então dedicamos horas de nossas vidas a simulações, sem valor, de algo que se assemelhe a conhecimento de si próprio, a ritos de doações internas que consomem fronteiras e cegam o silêncio. Tanto que se pergunta se o verdadeiro encontro é de fato o entrar em si e não o ato de expelir.
Para que a busca da consciência do eu individual torne-se uma constante silenciosa é preciso que se dedique tempo ao esquecimento.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Poemas e espasmos



Se a noite cai feito chuva do céu,
ou se o dia seca o que a chuva molhou,
arrazoam os cientistas
entre performances esquisitas,
com quais estrelas o poema transou.
Adorariam verdadeiramente conhecer
os espasmos que abocam o eu e você.
Mas estes segredos pequenos
ditos a grandes lábios,
são justamente onde termina o destino
e começa o acaso.