terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Berreiro

Nos dias em que o calor, insistente, possuía minhas narinas, percorria meus gestos e desaguava em minha garganta, eu planta ia secando ao todo em busca de arvorecer. 
As noites confundiam os dias, que se perdiam no se arrastar das horas em busca de um lugar comum.
Eram tontas as primaveras áridas do ser tão saudosismo, intrépido e cálido jazigo. 
Despercebidas as sementes amontoadas em botões de tulipas desnascidas de chão trincado pelos teimosos passos descompassados do verão.  

Tuiuiú

O garoto é um menino
ainda
O vinho sugeriu que rachasse-mos
entendo
é artista
como eu
Em noites de solidão
mato a saudade de fome
Mas o bico molhamos
com vinho seco.

Corachão

O que é chão?
É uma casa? É onde lavar roupas?
É um lugar seguro pra guardar o coração?
É uma paixão? Pai chão? Mãe é chão?
Dinheiro na conta é chão? 
Trabalhar todos os dias cansantemente?
Ou trabalhar o mesmo tanto que descansa a mente?
As drogas, chão? Não, não, não. As drogas céu.
O que é chão?
É fixo? É estático? 
Chão é movimento ou em movimento estão os passos?
Chão é espaço delimitado ou dissolver as fronteiras?
Ainda não entendi o que é chão durante minha vida inteira.

Varal de alma

Estendo neste varal
versos de meu esquecimento
Que é pra secar ao sol
e nos fins de tarde tomar um vento
Pois por dentro molho
quando olho o passar do tempo
Assim vou quarando a alma
alvejada, nos dias arejadas
e nas noites renascimento.
- O que você ia dizer, se perdeu?
- O que eu ia dizer se perdeu.

Obsessiva

Eu quero que você me seque
e depois me trague.
Eu quero que você me ocupe
e me roube todas as noites.
Quero que esteja presente em todos os momentos
e nos que não tiver, que abduza meu pensamento.
Quero te ver em minha escrita
sentir seu cheiro saindo de mim.
Quero que confunda meu calendário
e atravesse as minhas luas.
Quero que arrebata meu coração,
estômago, olhos e pernas.
Que destrua minhas fronteiras e
descolonize meus gestos.
Quero suas células se agrupando em meu organismo
tornando eu outro organismo.
Quero que faça de mim um oco
preenchido de orgasmo e luz furta cor.

Mar me quer

Quando os desejos se confundem, devaneio em troca do chão.
Me perco em memórias blue, ou me deixo navegar em desconhecido mar?
Maré negra de turbantes africanos na turbulenta noite.
Pele bronzeada em claros sorrisos de sedução.
Por que namoras a mim tão Alice? 
Nada entendo de tais profundezas.
Talvez eu deva mesmo navegar no espelho e aceitar que apesar de infinito,
eu te seduzo, mar.
Ou talvez só deva me deixar novamente só, 
já que já estou aqui,
novamente só
e esperar meu céu amanhecer. 


A mesa aqui de casa

A mesa já tem suas marcas. 
A mesma mesa aqui na sala.
Se ela pudesse contar o que já suportou,
desde quando só madeira fugindo do lenhador.
Depois veio o desprezo, não era ela quem eu queria
como companheira das horas de criação e bizarrias.
Mas ela foi se acostumando, fazendo parte daqui,
então se tornou tão útil que não a deixo mais sair.
Vive cheia de coisas por cima, cigarros e psicodelias,
mas de todas, a mais importante: 
sustenta minha poesia. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

sentirei fome
             sono
             frio
                    enquanto não ocupar o vazio

Flores

Amei Amanda
me perdi em Zélia
Me encontrei em Carolina
quando já estava velha
Rejuvenesci em Diana
Esqueci de orar por Lis
De todas as flores Dolores
foi a que eu jamais quis

Contradição

Me enchi de um amor vazio.
Me ocupei dos momentos parados.

Achado

A minha caneta esquecida
foi encontrada 
no baú envelhecido
do quarto
de minha amada

trava língua

Nos falaremos
Nos falharemos
Nos farfalharemos
Nos falamos
Nos falhamos
Nos fanfarralhamos
Nos falemos
Nos falimos
Nos fonemas
Fosflorescentes
Nos florimos

1° ressureição

Dormimos juntas ao claro da lua crescente e então nossos corpos se entrelaçaram como sempre fizeram desde a nossa primeira noite e como eu nunca acreditei ser capaz de descansar. 
completamente interferida, possuída e vice e versa por um outro corpo. 
O sono vinha chegando e o meu eu corpo ia resistindo. Como se quisesse ir. Mas também como se não quisesse ficar. Então vinha a sensação de queda livre, desmoronamento, desprender de mim ou algo do tipo. E quando eu quase ia e voltava, o outro corpo, o dela, me aparava. E roçava seu sexo em mim com seu ar um tanto frenético de viver.
Quando de fato apaguei, sonhei mil sonhos, com mil pessoas outras e não estava aqui nessa cama. Mas era confortável a sensação de poder ir onde eu quisesse que meu corpo estava aqui bem guardadinho. 
E, de manhã, quando acordei, nossos corpos estavam laçados de modo tão lancinante, que fiquei ali parada sem me mexer até que cada membro meu fosse adormecendo. Até eu voltar pro mundo dos sonhos. 
Sonhar perto dela, ou dentro dela, ou com ela é o que eu quero. 

1° morte

Foi como se eu me deparasse com todas as facetas dela de todas as épocas escondidas em suas gavetas. 
Ao mesmo tempo a sensação era de ter encontrado com suas caveiras e desencontrado do nosso amor.
Passei o dia entre planeios e insistência. 
Queria achar no sonho que colhi nas noites de fogueiras e festas o sentimento mais belo e sonido de liberdade.
Mas estar com ela não era mais fresco nem calorosamente acolhedor. Era como estar no nada. Novamente o nada. Como se o tudo tivesse sido arrancado de meu coração. Subtraído de mim. Me foi roubado os ares da paixão. A admiração disfarçou e saiu a francesa. O desejo pelo novo e pelo próximo segundo compartilhado também foi antes do final do baile. 
Ficamos eu e ela no salão dançando ao som do silêncio. Ela, em seus passos coreografados. Eu, desinteressada em aprender a dança, mesmo que ainda no salão.

A seta

A seta agita o feto
que cego cetro é infeliz
É fato: é incapaz, pois,
descasos descalços em passos curtos
de um futuro pensando em liberdade
passada, pesando. 
Era lá no pensamento
tudo de um jeito
onde se queria ser feitio
nem ir só indo
nem ir só
nem ficando
sorrindo
só rindo
dos olhos assassinos do engano
que quando encanto
quando encontro
é morte certa
aquela seta
que desperta
a dormência
a demência
a doênça
a despedida de mim

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Sua bunda


A sua cor amarelada com pintinhas marrons ao longo do corpo. Seus seios rosados e empinados como os de uma adolescente, com os biquinhos fátuos sedentos por mais uma sorvida com sabor de vermelho vivo. Gosto ainda muito do seu azul brilhante ao sol, mas me excita tanto, ao mesmo tempo em que me desconcerta, escovar os dentes lado a lado como quem brinca de ser um casal. Talvez ela já tenha vivido isso muitas vezes, embora eu duvide de seu gosto por coabitação. Mas nessas horas só passa em minha cabeça que vou tê-la em minha cama da penumbra da casa até o nascer do sol. E que às vezes, mesmo com o nascer do sol, vou poder me sucumbir em sua bunda macia e deleitável desde a minha cama até as pedras do rio mais escondido onde só a gente sabe o que acontece entre nós.

DMT

Era branca, azul, vermelha, verde e amarelo e todas as outras cores que se fundiam numa imagem da flor transando com o cachimbo de ouro. Ao fundo se repetia, ao mesmo tempo que sumia, o latido do cachorro da vizinha. Na mesma cama, estirado ao lado, estava o boy e seus gatos estilhaçados. Então sumi de mim e visitei o profundo da escuridão. Tinha ainda por fora e por dentro o som e o cheiro do que se espalhava em mim. Era gozo intenso e o ronco de uma gargalhada que me atravessava sem saber pra onde ir. Não tinha membros, não existia nada se é que o nada existe. Nadei no meu prazer. E quando as luzes de minhas pupilas se reacenderam, vinha mesmo de dentro o som do orgasmo. Reconheci e aceitei que não sei pra onde fui. Só sei que gozei. Que gozei. Que gozei. Ele, ao lado ainda tomado. Ela, entre minhas pernas, salpicada com o meu deleite. Todos seminus. Atravessados.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

À Deus

Causei-me cansaço de acender o isqueiro e apagar com a minha própria respiração. Descompassados tragos, tontos e aviltados. 
A nebulosa cinzenta se afastou de minha coroa com o vento que amanheceu ligeiro trazendo ao peito novo ar. 
Compreendi que abrir os poros é preencher-me de lama ou de chuva. De acordo com os acertos, que também podem ser os erros, que travamos ao lançar o corpo no mundo. 
Hoje vi que até a maior árvore, do tronco mais robusto que meu olhar, através de suas cansadas janelas pode alcançar, se afeta ao mínimo vento. Então balança e balança, pois, resistir é tentar, sem sucesso, romper o movimento do universo. 
E este é o pacto: o vento toca, o corpo dança, sem resistência, com elegância. 
O vento canta, transpassa todos os poros escancarados e permissivos. Vivos. Atômicos. 
Abri espaço para que meu corpo tronco dançasse junto ao teu. Para lá, ou para cá, com o vento, no tempo. Quântico movimento. 
E agora, inexplicado, depois de paralisado, vou dançar mesmo só. Longe de sua matéria que cativou-me o gesto em direção ascendente. 
Saber entrar e saber sair d'outro corpo no seu devir. Aprendizado silencioso. 
Exercitar o amor, carinho e respeito. Fechar as portas do buraco negro que desenfreia a proliferação de suspeitosas explicações de tudo o que eu não sei. 
Ofereço o que tenho. Amor. 
Aceito e exercito a recepção do que me oferece. Mesmo que seja hoje menos que ontem. 
Hoje acordei mais leve e não vou mais chorar. Vou só dançar.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Calor

Então o vento parou de soprar e eu quase sufocada arranquei toda a roupa e desatinei a abrir a casa em todas as portas e janelas e vidros estáticos e o tempo parado e o som inaudível. 
O ronco dos meus pulmões em busca de ar era como um trovão rasgando a terra. Som e luz sem som e sem sombra. 
Um zunido agudo e internos tímpanos tocavam incessantes como uma orquestra de metais. Ou de madeiras. Percursivamente surdos e amordaçados no paradeiro desventilado.
A casa flutuante pairava no abismo de lugar nenhum. Os rios corriam ao contrário até serem novamente chupados pelas suas nascentes. 
Decrescentemente o mundo acabou. 


Constatação:

te quero em verso e foda.

Fantasia

Só,
pensei te ouvir chegar no portão de meus pensamentos, enquanto reorganizava a casa de meus botões, colocando no lugar alguns móveis imóveis de meus planeios invícidos. 
Então, articulei a frase que simularia a surpresa de levar um susto e te esperei chegar à porta.
No nosso diálogo por mim monologado, eu lhe diria o quanto é pouco gozoso originar uma relação de habituação, ao tempo que, você me diria que veio porque não resistiu ao vazio da cama sem o meu calor. 
Daí, enquanto eu achava romântico, audacioso e alastroso, me dei conta que estava a fantasiar você em mim.
Me dei conta que sinto sua presença aqui e que além de até escutar sua voz, ainda posso sentir seu cheiro. E que amanhã, se o sol nascer, eu vou te beijar. 

Pati

Fui arrebatada, é só isso. 
Pelo cheiro de lenha do fogão nas manhãs. 
Pelo azul do céu aberto.
Pelos pingos de orvalho na folha.
Pela correnteza no rio da passagem. 
Pela neblina que encobre a visão espantando a 
pressa e abrandando o calor da pele.
Pela fogueira que acalenta o corpo e
faz cantar a alma. 
Pelo banho de cachoeira com o beija-flor.
Por tudo que em nós é flor, em flor ao sol.
Pelo se espalhar na pedra gelada pra ver
a dança das nuvens e o caminhar despretensioso da água.
Fui arrebatada pela mão que me ofereceu
solidez ao pular pedras e também pela mão
que alegrou meu ânimo na azul cozinha.
E ainda a que tocou o tambor e a que tocou meu coração.
E por todas elas, que juntas, empurraram o carro. 
Pelo carnaval que fizemos de tanta energia gerada ao final de tudo.
Pelo estar só. Só com vocês no melhor lugar do mundo. 

Dedico a Dica, Marce, Paulinha e Lola, com muito amor.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Lua cheia em áries

Dedicar um tempo mesmo que breve ao esquecimento ao fazer nada ao todo do dia parado no espaço mistério espero com pensamento em estado de virote de rolê pelo mundo que canta pra mim  amor da cabeça aos pés breve, leve, breve, leve, leve... em loops cíclicos e anacrônicos da parte de marte ou do mar que é no fim e no fundo parte de mim entregue ao dia que passou. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sedução

No escuro em minha cama
paisagem então noturna
claro como as estrelas
e ereto sobre minhas curvas

Em movimento contínuo
não se contia em meus quadris
entrava fundo em meu corpo
e saía pra entrar de novo

Mas num momento preciso
de uma onda que transbordava
meu mar encharcava a areia
e você nele se afogava

Os olhos semicerrados
seu corpo se estremecia
e quando em si retornava
enfim era luz, era dia.  

terça-feira, 27 de setembro de 2016

"ame-o e deixe-o ser o que quiser"

Sabor é uma palavra que não sabe de si.
Em cada gota dessa palavra tem um pouco de saliva. 
Digo, em cada gota de saliva, tem um pouco de sabor.
E conjugá-la é: saborear. Sabor e ar.
Em cada gota do saborear contém respiro.
Piro no sabor inflado de ar, pois, sabor sem espaço
é vácuo, é asma, é apneia, é inópia. 
Dê espaço para a língua pingar dentro e fora da boca.
Deixe o tempo se expandir no salivar. 
Sinta o sabor sem saber. Descubrá-o,
mas deixe-o ser.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

passando o tempo

Vaga-lumes acesos para não fechar os olhos.
Dias tontos oroborizando as horas.
Noites em claras de esquecimento e reapresentações.
Céu engarrafado de estrelas na porta de entrada e eu
morrendo de rir do choro que não vai descer.
Fica aí parada que o sol está brilhando nos seus olhos
por onde estou vendo os meus.
Nem sei mais...
Esse tanto de gente meio enterradas,
meio zumbis lobotomizados, cegos e desapropriados.
Feio o olhar abandonado. Eu acho.
Mas eu fui morar tão longe aos domingos que
não há busca que me encontre
nos fundos dos rios, ou no meu próprio mar.
Lá na sua praia. Lar no seu verão.
Por aqui as coisas só se misturam numa insistência
em parecer tudo a mesma coisa como na vida real
onde trabalhar é vida, cozinhar é vida, ir ao médico
é vida, amar é vida, morrer é vida...
e viver é só passar o tempo.

insinua

incenso da índia,
memórias de sua vida invadindo minhas narinas.
Bucetas de Frida Kalo, santos quebrados,
espíritos santos que saltam paredes e olhos.
O seu gosto de cigarros outros devastando
o que não seja saliva em ebulição.
Sangue seu em minhas pontas
de línguas e dedos.
Desejo tátil, sensorial, imagético, saudoso...
Aaaaa, seu gozo!
Seu gozo, seu som, seu jeito de ser volátil, voluptuosa, lúbrica...
Que incentiva e em si nua o instigante deslizar macio
até o eu de mim derramar.

saborosa

Eu sinto seu gosto em minha boca nesse momento. 
Você estando longe me pergunto:
será seu o gosto que tenho na boca, ou
será que minha boca tem um pouco do seu gosto?
Memórias de uma noite quase não dormida,
enroscando-me em você.
Memórias da pele, do cheiro.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Notas de afogamento 2, ou O barquinho

O seu azul
é o azul do mar
que é o azul do céu
o seu azul reflexo
oceano límbico
onde me afoguei
ao te encarar.

Notas de afogamento / esquecimento

É noite apesar do azul.
É noite apesar do esperar.
Porque se esperam nos dias.
Mas no azul também se esperam nas noites.
Então só, na beira do precipitar-me, mergulhei.
Destranquei as portas e mergulhei no azul da noite fria em busca de aquecer-me.
Lá, no breu do não azul, deparei-me com o silêncio do esquecimento.
De fora, quem assiste, vê-me em quietude profunda.
Mal sabem eles a que velocidade circula meu sangue anunciando meu afogamento.
No azul que não se abriu no céu desta noite.